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Acordo global para prevenir pandemias será apresentado na Assembleia Mundial da Saúde na próxima semana
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Acordo global para prevenir pandemias será apresentado na Assembleia Mundial da Saúde na próxima semana

15.05.2025

Após mais de três anos de negociação, os Estados-membros da Organização Mundial da Saúde (OMS) finalizaram, em 16 de abril de 2025, o texto de um acordo internacional voltado à prevenção, preparação e resposta a pandemias. O documento, elaborado em Genebra, reúne diretrizes para fortalecer a cooperação entre países e propõe medidas como a abordagem "Uma Saúde" — que integra saúde humana, animal e ambiental —, o reforço dos sistemas nacionais de saúde, a criação de uma rede global de cadeias de suprimento para emergências, o compartilhamento de patógenos e benefícios e o aumento de incentivo ao compartilhamento de tecnologia.


A Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) entrevistou a Dra. Deisy de Freitas Lima Ventura, vice-coordenadora do Programa de Pós-graduação em Saúde Global da Faculdade de Saúde Pública e Vice-diretora do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP) sobre o tema. Confira abaixo os principais pontos desta conversa:


SBMT: Quais aspectos do acordo global para pandemias, finalizado pela OMS em abril de 2025, a senhora destaca como mais relevantes para superar os desafios enfrentados durante a pandemia de Covid-19, especialmente no que diz respeito à cooperação entre países?

Dra. Deisy Ventura: Nas últimas décadas, a OMS elaborou e promoveu numerosos planos, diretrizes, cursos e outros documentos e atividades sobre pandemias ou sobre doenças com potencial pandêmico, mas a única norma obrigatória para os Estados sobre esta temática, até o momento, era o Regulamento Sanitário Internacional (RSI). No entanto, o RSI trata de qualquer Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII), e não apenas de pandemias. Em maio de 2024, o regulamento foi emendado e, entre outras modificações, instituiu a categoria Emergência Pandêmica (EP), que é uma ESPII merecedora de um nível mais alto de alarme, definido a partir dos seguintes critérios: risco de propagação mais ampla, magnitude de impactos sobre sistemas de saúde, potenciais danos (perturbações sociais e econômicas, assim como no tráfego e no comércio internacional), e intensidade da resposta devida (rápida, equitativa e reforçada). De fato, entre as oito ESPIIs até hoje declaradas, apenas duas foram consideradas pandemias, e declaradas como tal algumas semanas após a declaração de ESPII: a influenza AH1N1 (2009-2010) e a covid-19 (2020-2023). As demais ESPIIs foram surtos ou epidemias de poliomielite, síndrome congênita do vírus zika, ebola (em dois eventos distintos) e mpox (também em dois eventos). Porém, embora imprescindível e bem mais eficaz do que parece ser, o RSI não pode ser considerado uma norma específica sobre pandemias, e o mecanismo de declaração de emergências e de cooperação que ele instaura não dá conta dos desafios que um fenômeno da amplitude da pandemia de covid-19, por exemplo, suscita no campo da cooperação internacional, com destaque para o problema da repartição equitativa de produtos de saúde. Assim, uma proposta de acordo sobre pandemias foi elaborada por um Órgão Intergovernamental de Negociação criado especialmente para esta finalidade em 2021. Essa proposta ainda necessita ser aprovada pela 78a. Assembleia Mundial da Saúde, que ocorrerá entre 19 e 27 de maio em Genebra. Caso seja aprovada, o seu aspecto mais relevante é ser a primeira norma multilateral obrigatória específica sobre pandemias, mais abrangente e detalhada que o RSI. O simples fato de existir um acordo, após três anos de difíceis negociações, é uma enorme conquista se considerarmos que os Estados Unidos renunciaram ao seu papel histórico de líderes do campo da saúde global, abandonando as negociações do acordo e reduzindo drasticamente o financiamento de programas internacionais, entre outros numerosos gestos de ruptura. É preciso ter em conta também os ataques sistemáticos que o acordo vem sofrendo por movimentos de extrema direita que promovem intensa desinformação, e as pressões da indústria farmacêutica e de outros atores para que temas políticos cruciais do enfrentamento às pandemias não fossem tratados. Que os Estados, inclusive países que estão atualmente em guerra, tenham sido capazes de construir uma abordagem conjunta das pandemias, ainda que limitada em relação ao que esperávamos, me parece o aspecto mais relevante deste acordo. Significa, antes de mais nada, que pode haver avanços na saúde global sem os Estados Unidos, e talvez uma concepção mais aberta aos interesses do Sul Global do que a preconizada pelos norte-americanos.


SBMT: O acordo inclui o Sistema de Acesso e Compartilhamento de Benefícios de Patógenos para promover equidade. Como a senhora avalia a viabilidade desse mecanismo para assegurar que países de baixa e média renda tenham acesso equitativo a vacinas, tratamentos e outros recursos em futuras crises?

Dra. Deisy Ventura: Este foi um dos temas mais difíceis da negociação do acordo. Grosso modo, podemos dizer que, com razão, os países de baixa e média renda condicionaram o fornecimento de informações sobre patógenos ao usufruto dos benefícios que decorrem do acesso a tais informações. Fabricantes de produtos de saúde que participarem deste sistema deverão colocar à disposição da OMS um percentual de sua produção, em tempo real, de vacinas e tratamentos para o patógeno causador da doença em questão, a preços acessíveis. Ainda é cedo para estimar a eficácia deste sistema porque o acordo prevê uma imensa flexibilidade na participação dos Estados neste sistema. Faltam também detalhamentos que serão ajustados por meio de um instrumento jurídico próprio elaborado uma nova etapa de negociações entre os Estados. Ainda não temos sequer a definição do que seria um "fabricante participante" do sistema. Porém, considerando a conjuntura internacional, é uma boa notícia que estas negociações continuem, mantendo em pauta a questão crucial do acesso.


SBMT: De que forma o acordo pode impactar as políticas públicas de saúde no Brasil, especialmente no controle de doenças tropicais, como dengue, zika e leishmaniose, que desafiam os sistemas de saúde da região?

Dra. Deisy Ventura: Tanto o RSI como o acordo sobre pandemias tratam de eventos extraordinários com potencial de propagação internacional, e não de doenças endêmicas. A doença do vírus zika acabou sendo relacionada a uma emergência internacional, mas é sempre bom recordar que a emergência foi a síndrome congênita do vírus zika, e não a doença em si. Contudo, sempre percebi os temas de saúde global como oportunidades para fazer avançar demandas locais importantes. No caso das emergências, devemos sublinhar a relação entre o agudo e o crônico que é apontada por tantos especialistas, e absolutamente tangível nas práticas de saúde. Em outras palavras, nossa forma de dirigir os recursos disponibilizados para preparação e resposta a emergências deve sempre contemplar elementos estruturais que melhorem nosso sistema de saúde em seu conjunto. Não devemos nos conduzir "para inglês ver", tranquilizando outros países quanto à nossa capacidade de conter aqui doenças que eles temem. Devemos, na verdade, fortalecer o nosso sistema para que ele tenha um bom desempenho ordinário, o que necessariamente se refletirá diante do extraordinário, caso exista a devida preparação.


Leia a entrevista completa aqui.

Instituto Todos pela Saúde (ITpS) Av. Paulista, 1.938 – 16º andar
São Paulo - SP – 01310-942

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