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Comunicação
Lupa: Canais do Telegram continuam a mentir sobre vacinas
Agência Lupa

Lupa: Canais do Telegram continuam a mentir sobre vacinas

28.07.2023

Maiquel Rosauro / Agência Lupa


Canais do Telegram continuam a disseminar mentiras sobre vacinas livremente, atingindo milhares de usuários no Brasil. Uma busca recente feita pela Lupa identificou ao menos três grupos com conteúdos antivacinas na plataforma, que somam 25,3 mil inscritos. O Ministério da Saúde diz trabalhar na criação de um projeto para combater a desinformação, mas não detalha quais ações serão realizadas na prática, nem informa quando lançará a iniciativa. A pasta afirmou à Lupa que um dos focos será criar "um canal específico" para receber denúncias e divulgar informação verificada.


Não é difícil localizar grupos com conteúdos falsos sobre saúde no Telegram. Um exemplo é o canal Despertando Leões, que possui mais de 11,2 mil inscritos e, conforme sua descrição, "destina-se a despertar as pessoas e a compartilhar vídeos e materiais condizentes com a verdade". Mas não é bem assim.


Em 25 de junho, por exemplo, um texto afirmando que o alumínio nas vacinas é o principal fator da epidemia de autismo rendeu 3.514 visualizações e 73 interações com emojis no canal. A informação é considerada absurda por profissionais de saúde e já foi desmentida pela Lupa em 2021.


Em 2 de julho, trecho de um discurso do deputado estadual Cristiano Caporezzo (PL-MG), alegando que vacinas contra covid-19 causaram mais mortes do que salvaram vidas, recebeu 5.345 visualizações e 110 interações com emojis. O parlamentar retirou os dados de contexto para estabelecer uma falsa conexão de causa e efeito.


No canal Coletividade Evolutiva – com 6,8 mil inscritos – um post publicado em 14 de julho, com mais de 800 visualizações, informa que o “DNA do vírus do macaco” está presente em vacinas contra a covid-19 e ainda causa câncer. A informação é falsa e circula, principalmente, em língua inglesa. A AP News apurou que algumas vacinas contra a covid-19 utilizam moléculas de DNA derivadas do vírus símio 40, mas isso não é o mesmo que o próprio vírus, e as moléculas não causam câncer.


No canal Jornal Tribuna Nacional, com 7,3 mil inscritos, um post do dia 4 de julho, com mais de 4,6 mil visualizações, diz que Organização Mundial de Saúde (OMS) admite que mães totalmente vacinadas estão dando à luz bebês com graves defeitos cardíacos. Uma verificação da AP News concluiu que a OMS não fez tal declaração e que as alegações foram deturpadas de um relatório sobre casos de miocardite infantil no País de Gales. Os problemas são associados ao enterovírus e o documento não menciona a covid-19.


Crianças são as mais prejudicadas pela desinformação


A professora Luciana Carvalho, do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) - Campus Frederico Westphalen, afirma que a desinformação relacionada à saúde pública segue forte nas redes sociais porque se tornou uma pauta político-ideológica. Ela recorda que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), durante a pandemia da covid-19, atuava contra as evidências científicas. Postura semelhante é vista nos conteúdos dos canais do Telegram, que ignoram a ciência para espalhar desinformação.


“Há uma necessidade de quem foi derrotado nas eleições de seguir atacando o projeto de quem foi eleito. Ou seja, atacar tudo o que é defendido pelo atual governo”, afirma a professora, que é integrante da Rede Interinstitucional de Enfrentamento da Desinformação em Saúde (Redes) do Ministério Público Federal, do Programa de Combate à Desinformação do Supremo Tribunal Federal (STF) e da Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD).


Carvalho entende que os canais do Telegram se tornam perigosos devido à facilidade de envio de mensagem de forma muito rápida, sem ser controlada e para um grande número de pessoas ao mesmo tempo.


A professora reforça as graves consequências causadas pelo compartilhamento de textos desinformativos. “Em termos de saúde, a desinformação é muito danosa. Tivemos uma redução nos índices de vacinação no país não só para covid, mas para doenças que já haviam sido erradicadas há muito tempo como sarampo e poliomielite. Tudo isso é consequência das campanhas desinformativas que circularam amplamente no Brasil durante a pandemia. O movimento antivacina acabou sendo importado dos Estados Unidos, onde é forte e existe há muito tempo. Temos então um risco de saúde pública para a população, sobretudo, para as crianças, que dependem da adesão dos pais às vacinas”, explica.


O relatório "Situação Mundial da Infância 2023: Para cada criança, vacinação", lançado em abril deste ano pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), revela que 1,6 milhão de crianças no Brasil não receberam nenhuma dose da vacina DTP, que previne contra difteria, tétano e coqueluche, entre 2019 e 2021. No mesmo período, a cobertura de vacinação contra sarampo, caxumba e rubéola (Tríplice Viral D1) no Brasil caiu de 93,1%, em 2019, para 71,49%, em 2021. Como disse a professora, o grande perigo da baixa imunização infantil é o retorno de doenças que já estavam erradicadas no país.


Ações do Ministério da Saúde ainda são promessas


Questionado sobre se já recebeu denúncias referentes a conteúdos que circulam no Telegram e quais ações foram tomadas, o Ministério da Saúde informou que trabalha em uma forma de receber essas demandas.


“Esta gestão está construindo um canal específico para esse tipo de comunicação. É uma retomada dessa ação essencial que não foi feita na última gestão”, disse a pasta, em nota, referindo-se ao governo Bolsonaro. “Quando são identificadas demandas relacionadas a informações falsas em nossos canais oficiais, recebidas por meio de veículos de imprensa, agências de checagem, monitoramento e comentários das redes sociais e outros canais, a informação é checada e apurada junto aos técnicos do Ministério da Saúde, resultando em publicações de informações técnicas, confiáveis e oficiais nos canais da pasta, disponíveis para todos os usuários acessarem e compartilharem”, complementa.


Quando a produção desta reportagem teve início, o site Brasil contra Fake, uma iniciativa do governo Lula contra a desinformação, não trazia orientações sobre como denunciar conteúdos no Telegram. Contudo, a página foi atualizada após a Lupa questionar o ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República, Paulo Pimenta, via assessoria de imprensa, sobre a ausência da informação. Até então, apenas Instagram, Facebook, Linkedin, Kwai, Twitter, TikTok, YouTube e WhatsApp estavam contemplados.


Pimenta afirmou ainda que o problema da desinformação é um assunto que também diz respeito ao Congresso. “A regulamentação de plataformas digitais é tema de discussão no Legislativo, em especial, através do PL nº 2.630/2020 cujo relator é Orlando Silva (PCdoB-SP). O governo federal tem contribuído no que lhe cabe com o projeto, após uma série de diálogos interministeriais”, diz o ministro.


Atualmente, o PL 2.630/2020, também conhecido como PL das Fake News, está parado na Câmara dos Deputados. O governo espera que ele volte à pauta com mudanças no segundo semestre e possa ser votado.


Governo promete agir em duas frentes


Segundo o Ministério da Saúde, o governo federal pretende agir contra a desinformação concentrando esforços em duas frentes, em âmbito jurídico e na área de comunicação. “O Ministério da Saúde vai liderar a frente voltada à comunicação com a população e mobilização de públicos estratégicos, incluindo os profissionais de saúde e líderes religiosos. Também estão previstas ações conjuntas dos órgãos participantes no âmbito jurídico para aplicação, quando for o caso, de penalidades previstas na legislação. O projeto-piloto se dará com a vacinação, mas a intenção é expandir também a outros temas”, informou a pasta, em nota.


Quando questionada sobre como será a ação envolvendo os profissionais de saúde e líderes religiosos, a assessoria de imprensa do ministério respondeu apenas que será com o “engajamento dos líderes”.


A iniciativa do governo conta com o apoio da Secretaria de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), da Advocacia-Geral da União (AGU), da Controladoria-Geral da União e do Ministério da Justiça e Segurança Pública. A meta é fazer com que o Ministério da Saúde retome a condição de principal autoridade sanitária, estabelecendo-se como fonte confiável de informações e orientações sobre saúde pública.


No campo jurídico, os esforços só tiveram início em 26 de junho. A Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia ingressou com sua primeira ação judicial, na Justiça Federal do Distrito Federal, solicitando a remoção de um post no Twitter. O conteúdo dizia que a humanidade seria dizimada por uma nova epidemia ativada por sinal de 5G e causada por agentes patogênicos supostamente inseridos em imunizantes anti-covid.


“Em breve (a Procuradoria) deve propor novas ações judiciais para preservar a integridade da política pública de vacinação. No momento, contudo, não é possível fornecer mais detalhes sobre as futuras ações para não prejudicar a estratégia processual”, disse a AGU, em nota.


Educação midiática pode ajudar


No norte do Rio Grande do Sul, a professora Luciana Carvalho, da UFSM, desenvolve um trabalho de educação midiática em rádios comunitárias, levando conteúdo sobre mídia, ciência e política a pequenos municípios. Ela defende que o trabalho contra a desinformação seja feito de forma constante, desde a escola e partindo também da sociedade civil, incluindo organizações não-governamentais (ONGs) e veículos jornalísticos.


“É preciso desenvolver uma educação voltada para a ciência, sobretudo na área da saúde, mostrando a importância das vacinas, trazendo relatos e o histórico das doenças que nós tínhamos, que acometiam crianças e foram erradicadas graças às vacinas. Temos que convencer por meio da emoção. As pessoas acreditam na desinformação porque ela toca na emoção, atingindo o que a psicologia chama de viés de confirmação. Ou seja, acreditando naquilo que confirma sua ideia”, explica a professora.


A Lupa não conseguiu contato com o Telegram.


Nota: Este conteúdo foi produzido pela Lupa com apoio do Instituto Todos pela Saúde (ITpS). Para ler o texto no site da Lupa, clique aqui.


Editado por Luciana Corrêa e Maurício Moraes


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