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Comunicação
Lupa: Para Drauzio Varella, plataformas cometem crime ao permitir desinformação
Agência Lupa

Lupa: Para Drauzio Varella, plataformas cometem crime ao permitir desinformação

16.10.2023

Catiane Pereira e Victor Terra / Rio de Janeiro


Crédito da imagem: Reprodução perfil Drauzio no YouTube


O médico Drauzio Varella, que ficou famoso por ser um dos primeiros a usar diferentes mídias para divulgação científica, classificou como criminosa a ação de plataformas como Facebook e TikTok, por permitirem que golpistas paguem para ampliar o alcance de anúncios com desinformação. Muitas dessas propagandas usam o nome dele para passar credibilidade. "Se ganham dinheiro para divulgar informações falsas de medicamentos para tratamentos que vão colocar em risco a saúde das pessoas, que palavra você coloca para isso? É mau-caratismo? Não, isso é crime!", disse. Na entrevista para Lupa, que abre uma série sobre Saúde e divulgação científica, o médico não fez críticas ao YouTube, onde mantém um canal com mais de 3,5 milhões de inscritos.


Drauzio também defendeu punições para médicos que compartilharam conteúdos falsos sobre vacinas na pandemia, o que acabou desacreditando o Programa Nacional de Imunizações (PNI). "Essa gente destruiu a confiança dos brasileiros em relação às vacinas em uma faixa muito expressiva da população", destacou. Ele também lembra que errou e admite o erro sobre quando gravou um vídeo, no início da pandemia, dizendo que o coronavírus não era perigoso – e depois precisou apagar o conteúdo, que acabou sendo usado de forma enganosa. Depois, passou a publicar vídeos e entrevistas dando dimensão da pandemia que matou mais de 700 mil brasileiros.


O cancerologista atua com educação em saúde há mais de 30 anos e é alvo constante de peças desinformativas. No Facebook, por exemplo, há centenas de anúncios que enganosamente associam o médico à venda de remédios e suplementos alimentares. A Lupa já publicou verificações que envolviam Drauzio na venda de produtos para curar diabetes, perda de memória, doenças oculares e até impotência sexual. Ele já alertou diversas vezes que não faz propaganda de medicamentos.


Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:


*


A verificação mais antiga que a Lupa publicou envolvendo o seu nome falava sobre um falso alerta dos “malefícios da água gelada". De lá para cá, checamos conteúdos que envolviam sua imagem em propagandas de produtos para curar doenças oculares, diabetes, entre outros. Como o senhor lida com isso?


Quando a pessoa diz que água gelada faz mal, ela vai privar você de ter um prazer de tomar uma água gelada em um dia de calor, mas isso provavelmente não vai ter nenhuma consequência para a saúde.


Agora, quando você vê alguém que usa seu nome para vender um produto é outra coisa. Tenho vários vídeos na internet dizendo que não vendo nenhum tipo de medicamento ou tratamento especial. Não faço de jeito nenhum, mas não adianta, porque onde eles chegam (com conteúdos falsos), eu não consigo chegar. Eles chegam para pessoas ingênuas, que acreditam no que estão ouvindo, e aí fica difícil de combater.


Isso é colocado na internet e fica. Para você conseguir tirar é muito difícil porque as plataformas têm a maior má vontade quando você denuncia. No começo, cheguei a contratar advogado para tentar resolver o problema, mas você fica atrás de um criminoso oculto, que não aparece. Essa ocultação do criminoso tem por trás as plataformas que fazem de tudo para ocultá-lo ou, no mínimo, não têm nenhum interesse que você descubra quem ele é.


Colocam a saúde das pessoas em risco e não querem que isso mude. É um crime o que eles cometem, gente. Se ganham dinheiro para divulgar informações falsas de medicamentos para tratamentos que vão colocar em risco a saúde das pessoas, que palavra você coloca para isso? É mau-caratismo? Não, isso é crime.


(As plataformas) são co-partícipes. Essas pessoas que publicam essas coisas são estelionatários com a parceria das redes, do Facebook, do TikTok e de outras redes. O YouTube não faz, nunca recebo coisas falsas que venham do YouTube.


Do ponto de vista pessoal, como se sente ao usarem a sua imagem em propagandas de remédios e tratamentos falsos?


Do ponto de vista pessoal, vocês não imaginam o que seja isso. Eu passei uma vida inteira trabalhando, dando informações com critério, preparando as coisas que iria falar, analisando as consequências do que iria ser dito, porque você fala no meio de comunicação de massa como a TV, que espalha a mensagem pelo país inteiro.


E então aparecem criminosos que produzem conteúdos e destroem a sua imagem, propagando notícias falsas como se fossem suas. É muito desanimador esse tipo de cenário, sabe?


A penetração é menor entre pessoas com uma formação mais abrangente, mas mesmo entre elas acontece. Às vezes uma pessoa próxima me pergunta se é verdade que estou recomendando uma coisa absurda como, por exemplo, chá de banana para diminuir a pressão.


Como o senhor vê o trabalho de combate à desinformação em saúde hoje em comparação com o que fazia quando começou?


Naquele tempo, toda informação vinha pelo rádio, TV, jornais ou revistas. Esse tipo de imprensa sempre teve mais responsabilidade, sempre foi muito mais consciente das suas obrigações. Então, se você tinha alguém que falava uma coisa absurda, os jornais não publicavam. (Atualmente(, tenho uma coluna na Folha de S.Paulo e outra na Carta Capital. Se eu supostamente escrever algo absurdo ou um erro grave, sou processado, e o jornal também.


Então surgiu a internet e criou muitas formas de transmissão de conhecimento. Sou muito agradecido ao aparecimento desse meio de comunicação, porque nós conseguimos disseminar informação médica atingindo muito mais gente que não lê jornal. E agora temos todas essas redes sociais.


E o que muda com a entrada das redes sociais, em especial pensando no campo da educação para saúde?


A única que vejo é o YouTube, as outras eu não acesso porque elas são responsáveis por essa quantidade absurda de falsidades que são transmitidas pela internet. Vamos supor o seguinte, que eu queira vender um remédio — nunca fiz publicidade de medicamentos e nunca farei. Mas vamos supor que eu invente um remédio e queira vendê-lo. O que eu faço? Faço um perfil falso na internet porque não tem nenhum controle, gravo um pequeno vídeo e impulsiono pelas plataformas.


Criminosos saem disseminando esse conteúdo, recebem dinheiro para isso, não é feito de graça. Isso é uma fonte de lucro para eles e, assim, publicam mentiras. Esse é um aspecto criminoso, não consigo encontrar outra palavra para isso.


E quando os políticos começam a querer organizar isso, pôr ordem e fazer com que tenham responsabilidade pelo que eles publicam, aí as plataformas vêm com a conversa que isso é restrição da liberdade. Eles querem garantir para si a liberdade de mentir e de divulgar crimes.


Se você faz propaganda de um medicamento que não passou pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e as pessoas compram e consomem, isso é um crime contra a saúde pública.


Hoje, vemos a desinformação se complexificar, com recursos de inteligência artificial que imitam voz e até expressões faciais da pessoa. Você acredita que o combate a esse tipo de conteúdo se dê também por meio da educação para as mídias?


Acho que nós vamos ter que obrigatoriamente fazer campanhas educacionais em saúde. As pessoas têm que entender qual é o problema. A internet é ótima e maravilhosa, nós não podemos mais viver sem ela, trouxe progresso. Mas tem esse efeito colateral e indesejável para o qual nós temos que estar atentos.


Atualmente temos o WhatsApp. Eu uso também, me ajuda em muitas situações. Quando você recebe uma mensagem ou manda, você não gasta crédito no telefone, então tem pessoas que só se informam pelo WhatsApp. São pessoas ingênuas que acreditam naquelas coisas que leem, e com a inteligência artificial isso vai piorar muito.


No meu caso, a minha imagem é usada a torto e a direito o tempo todo, falsificam minha voz por inteligência artificial e criam montagens comigo fazendo as propagandas mais absurdas. Já tem várias dessas publicações falando com uma voz que não é a minha, porque não tem esse fanhoso que caracteriza a minha voz, mas é parecida. Quem não conhece acha que tudo bem. Se as plataformas não têm o mínimo de responsabilidade e praticam esses crimes sem ter um controle, onde vai parar isso?


Durante a pandemia e depois, vimos muitos médicos reforçando a desinformação sobre vacinas. Deve haver algum tipo de punição ou responsabilização para esses profissionais?


Não tenho dúvida nenhuma. Vamos pegar os dois lados: se não fossem os médicos irem à TV e à internet durante a pandemia, essa tragédia teria sido muito pior. Então os médicos, professores universitários, pessoas da maior seriedade assumiram a responsabilidade de colocar as informações relevantes à disposição do público.
O trabalho que os médicos fizeram nessa fase foi um trabalho maravilhoso.


Agora, ao mesmo tempo, tivemos uma ralé de médicos completamente despreparados disseminando notícias absurdas e desacreditando as vacinas. Isso tem que ser punido, os conselhos servem para isso.


Nós construímos um dos maiores programas de imunização gratuita do mundo (Programa Nacional de Imunizações), o PNI. Não sou eu que digo, mas a Organização Mundial da Saúde (OMS). Conseguimos construir nesse tempo todo a credibilidade em relação às vacinas brasileiras.


Em 30 de janeiro de 2020, você publicou um vídeo em suas redes sociais afirmando que iria continuar andando na rua mesmo com a disseminação do novo coronavírus e que nada justificava uma mudança nos hábitos da população, chegando a comparar o vírus a um resfriado. Essa gravação foi feita antes de a comunidade científica identificar o real perigo da covid-19. O vídeo foi usado em peças desinformativas após a OMS classificar a situação como pandemia e, depois de alguns dias, apagado de seu canal no YouTube. O senhor então publicou outro vídeo destacando a necessidade de a população seguir as novas orientações de isolamento social para prevenir o contágio. Não foi precipitado?


Quando fiz esse vídeo, no dia 30 de janeiro de 2020, não havia nenhum caso de covid no Brasil. O vírus não tinha chegado aqui ainda. Eu assisti a uma palestra do Anthony Fauci, que é o maior especialista em doenças infecciosas nos Estados Unidos. Nessa palestra ele disse que achava que o coronavírus não teria força suficiente para se disseminar provocando uma pandemia. Eu também achava naquele momento.


Os coronavírus são uma das principais causas de resfriados e eu supus, com os dados que nós tínhamos até aquele momento, que o risco era pouco. A epidemia só estava na China e os chineses são opacos nessa coisa de transmitir informação. Não havia casos na Europa.


Em seguida, em fevereiro, começaram a surgir relatos de que havia casos graves da doença. E então imediatamente tirei o vídeo do ar. Logo depois, gravei vários vídeos dizendo que a situação era mais grave do que parecia. É muito difícil em uma pandemia, que a gente nem sabia que seria assim, você repassar informações no momento em que tudo ainda está ocorrendo.


Nós estávamos vivendo no país uma politização de tudo: das pessoas, das Forças Armadas, da medicina. Muito tempo depois, um cidadão, que eu não lembro o nome, publicou nas redes sociais o vídeo que gravei em janeiro como se fosse recente. Na época a gente não colocava a data no vídeo. Hoje colocamos (a data) em todos os vídeos, para evitar esse tipo de interferência.


Em setembro, o Programa Nacional de Imunizações completou 50 anos em meio à queda da cobertura vacinal, tendo como um dos principais desafios combater conteúdos enganosos que circulam nas redes. A Lupa mostrou em reportagem que o Ministério da Saúde está estudando medidas mais duras no combate à desinformação, principalmente com foco nas vacinas. Entretanto, esse projeto e outras ações estão atrasadas. Como o senhor analisa esse trabalho de combate à desinformação na área da saúde?


Esse é um tema que tem que ter prioridade. Você só consegue vacinar a população quando a população confia nas vacinas. Nós sabemos vacinar, temos mais de 40 mil salas de vacinação. E não é uma sala vazia que pode vacinar, é a sala com geladeira, termômetro e técnico para vacinar.


O PNI é um dos maiores programas de imunizações do mundo. Agora, depende das pessoas levarem seus filhos e os adultos também se conscientizarem que precisam ser vacinados. Se a pessoa tem medo de levar o filho caso ele fique doente porque foi vacinado, é claro que as pessoas não levam.


Agora, mais uma vez: eu não vejo outra forma de combater a desinformação se não envolver as plataformas. Se não envolver as plataformas, nós não vamos ter sucesso. Nós precisamos investir, outra vez, tudo que foi feito no passado em propaganda e publicidade. Quanto tempo nós levamos para criar aquela imagem do Zé Gotinha? E foi por isso que nós tivemos aquele sucesso nos anos 1990. Mas ficam na internet os criminosos disseminando mentiras que levam as pessoas a terem medo das vacinas e a questionarem a eficácia das vacinas.


Nota: Este conteúdo foi produzido pela Lupa com apoio do Instituto Todos pela Saúde (ITpS). Para ler o texto no site da Lupa, clique aqui.


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