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Comunicação
O Brasil na rota da gripe aviária: entenda a doença, a forma de transmissão e os riscos
Perguntas e respostas

O Brasil na rota da gripe aviária: entenda a doença, a forma de transmissão e os riscos

07.06.2023

Luciana Constantino


O Brasil registrou pela primeira vez neste ano casos de gripe aviária – infecção causada pelo vírus H5N1 de alta patogenicidade – em aves silvestres. As notificações levaram órgãos do governo, de vigilância epidemiológica e sanitária, além de entidades ligadas à ciência, a adotar uma série de medidas e alertas na tentativa de conter o avanço da doença. 


O H5N1 é um vírus influenza do subtipo A, que tem em sua superfície duas proteínas – a hemaglutinina (HA) e a neuraminidase (NA), responsáveis pelo contato com as células e a replicação, respectivamente. O vírus afeta várias espécies de aves silvestres e domésticas, sendo altamente contagioso entre elas, e provoca nesses animais uma doença com sinais clínicos graves, incluindo problemas neurológicos, respiratórios e reprodutivos, levando à morte.


No caso de mamíferos, inclusive humanos, a infecção ocorre após o contato com secreções orais, respiratórias e digestivas de aves doentes ou pela exposição ao ambiente contaminado com o vírus. 


Atualmente, não existem registros no mundo de transmissão sustentável de pessoa para pessoa, o que poderia levar a uma pandemia causada pelo H5N1. Neste momento, o risco  é considerado baixo, mas certos fatores podem acelerar o processo, como o aumento de casos em mamíferos e eventuais mutações que o vírus venha a sofrer, possibilitando a transmissão entre humanos.


A preocupação de pesquisadores e especialistas é com o chamado “spillover” (transbordamento, na tradução do inglês), termo usado para dizer que um vírus conseguiu se adaptar e migrar da espécie hospedeira para outra (das aves para os mamíferos, por exemplo). Foi o que aconteceu com o SARS-CoV-2, causador da covid-19, que teria “saltado” de uma espécie animal para o ser humano, após mutação, provocando rápida disseminação.


“Sabemos que o H5N1 tem capacidade de mutação, mas normalmente ele é bem adaptado ao seu hospedeiro (as aves). O problema é que, quanto mais ele circula, maior a chance de mutações. Por outro lado, a influenza aviária é registrada há muitos anos. Já tivemos surtos em aves, mas o H5N1 não se espalhou de pessoas para pessoas, mostrando que ainda existe uma barreira não superada pelo vírus”, explica o pesquisador científico do Instituto Todos pela Saúde Marcelo Bragatte, também divulgador científico da Rede Análise


O H5N1 foi isolado pela primeira vez no mundo em 1996 na província de Guangdong, na China, a partir de um caso registrado em gansos domésticos. No ano seguinte, o vírus foi detectado em aves em Hong Kong, com o primeiro surto de gripe aviária em humanos, quando 18 pessoas foram hospitalizadas e seis morreram. O vírus voltou a aparecer em 2003, também em Hong Kong, com dois casos, um deles fatal (mais informações abaixo)


No sudeste asiático, o vírus se tornou endêmico em aves silvestres domésticas. Em 2005, começou a ser disperso para outras regiões geográficas. Como o H5N1 afeta aves migratórias, ele tem a capacidade de se espalhar rapidamente por meio das fronteiras, tanto que em 2021 já havia sido identificado em mais de 50 países.


“Os vírus H5N1, com as sequências de RNA disponíveis atualmente, não têm ainda todas as mutações genéticas necessárias para adaptação em mamíferos, ou seja, que permitam a transmissão entre mamíferos. Mas isso não quer dizer que estamos 100% seguros. Temos um vírus ocorrendo nas quatro regiões geográficas – Ásia, África, Europa e Américas – e presente em diversas espécies, o que aumenta suas chances de se adaptar. São mais de 355 espécies de aves silvestres já documentadas com o vírus, sem contar as domésticas e de mamíferos, como leões-marinhos relatados recentemente pelo Chile”, afirma a médica veterinária Helena Lage Ferreira, professora da Universidade de São Paulo (USP) e uma das coordenadoras da Rede de Vigilância de Vírus. Helena estuda o H5N1 desde 2005. 


Entre as pandemias registradas desde os anos 1900, três delas foram provocadas por vírus aviário: a de 1918 (gripe espanhola, causada pelo subtipo H1N1 e que provocou 40 milhões de mortes); a de 1957 (gripe asiática - subtipo H2N2, matou 2 milhões) e a de 1968 (gripe de Hong Kong, H3N2, que levou a mais de 1 milhão de mortes no mundo). Em 2009, o H1N1 circulava em suínos.


Medidas. Os esforços para controlar a disseminação da gripe aviária incluem vigilância e monitoramento de populações de aves, abate dos animais infectados e vacinação de aves domésticas – medida que tem, entre os desafios, os limitados recursos em algumas regiões. Por isso, é crucial fortalecer a vigilância em aves silvestres e domésticas, com medidas de biosseguridade para evitar surtos que possam afetar a economia e o fornecimento de alimentos.


No Brasil, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) declarou, em 22 de maio, estado de emergência zoossanitária por 180 dias, após os registros dos primeiros casos de gripe aviária, com o objetivo de evitar que a doença chegue à produção de aves de subsistência e comerciais, além de preservar a saúde humana (clique aqui para ler a portaria). Também foi criado o Centro de Operações de Emergência (COE) para coordenação, planejamento, avaliação e controle das ações nacionais referente à influenza aviária.


Até o dia 5 de junho, 24 casos de H5N1 em aves silvestres haviam sido confirmados no país, nos estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo. A doença foi identificada em ao menos seis espécies: Thalasseus acuflavidus (trinta-réis de bando), Sula leucogaster (atobá-pardo), Thalasseus maximus (trinta-réis-real), Sterna hirundo (Trinta-réis-boreal), Megascops choliba (corujinha-do-mato) e Cygnus melancoryphus (cisne-de-pescoço-preto). Até essa data, não havia registro no país de gripe aviária em pessoas. Para informar a sociedade sobre os casos, o Mapa criou a página Investigações de Síndrome Respiratória e Nervosa das Aves realizadas pelo Serviço Veterinário Oficial, atualizada duas vezes por dia (clique aqui para acessar).


Como forma de prevenção, centros de pesquisa desenvolvem estudos para vacinas e medicamentos antivirais para humanos. O Instituto Butantan, órgão ligado à Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, é um dos que iniciaram o processo de desenvolvimento da vacina contra a gripe aviária. Atualmente, os testes estão sendo realizados com os subtipos vacinais cedidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), e o primeiro lote-piloto está pronto para testes pré-clínicos.



PERGUNTAS E RESPOSTAS


O que é a gripe aviária?
É uma doença altamente contagiosa causada pelo vírus H5N1. Afeta várias espécies de aves silvestres e domésticas, podendo também infectar mamíferos, como humanos, leões-marinhos, ursos e lobos, que tenham contato com aves infectadas ou com ambiente contaminado. 


Como ocorre a transmissão?
O principal fator de transmissão é por meio do contato direto com secreções do sistema respiratório e digestivo de aves infectadas ou pela exposição ao ambiente contaminado sem proteção adequada. Aves e ovos preparados adequadamente e cozidos são seguros para o consumo.


Como é feita a identificação da gripe aviária em humanos?


A confirmação de infecção pelo vírus H5N1 deve ser feita por meio de exames laboratoriais. A coleta da amostra para análise é realizada com o uso de cotonete do trato respiratório superior (swab – nariz ou garganta) da pessoa doente. O teste é mais preciso quando feito nos primeiros dias da doença. Após o contato com animais potencialmente infectados, as pessoas devem procurar os serviços de saúde.  


Quais são os sintomas da gripe aviária em humanos? 


Em casos leves pode provocar vermelhidão nos olhos (conjuntivite) ou sintomas respiratórios leves semelhantes aos da gripe. Os registros mais graves incluem febre, tosse, dores de garganta e musculares, dificuldade para respirar e até pneumonia.


Como funciona a vigilância em saúde para a influenza aviária?


A notificação de casos suspeitos em aves é feita pelo serviço veterinário oficial ao Ministério da Agricultura logo após o início das ações de vigilância epidemiológica no local. Os Centros de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde dos Estados atuam na busca ativa para identificar e monitorar pessoas que tiveram contato com as aves. Essas pessoas são testadas, monitoradas e isoladas caso desenvolvam sintomas gripais. As amostras coletadas são analisadas pelos laboratórios de saúde pública e depois enviadas para confirmação do resultado a laboratórios de referência e à Fiocruz. 


O que as autoridades recomendam?


Caso identifique aves doentes ou alta mortalidade de aves silvestres ou domésticas, a recomendação é não tocá-las, informando imediatamente aos órgãos de defesa agropecuária da região ou à Coordenação de Vigilância Ambiental do município.

Instituto Todos pela Saúde (ITpS) Av. Paulista, 1.938 – 16º andar
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