Diogo Sponchiato e Paula Felix
Foram 1 191 dias de emergência internacional decretada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). De 30 de janeiro de 2020, quando os primeiros casos de Covid-19 começaram a se disseminar da China para o resto do planeta, até 5 de maio de 2023, o dia em que o status mais elevado de crise sanitária foi retirado, 765 milhões de pessoas foram infectadas pelo coronavírus e quase 7 milhões perderam a vida — pouco mais de 700 000 no Brasil. No entanto, os danos diretos e indiretos à humanidade escapam à contagem dos números. Vivemos mais de três anos sob medo do contágio, lockdowns, debacle econômica e prejuízos sociais que levarão tempo para ser revertidos. A máscara se tornou símbolo de uma era. Outro ícone inconteste é a vacina: imunizantes formulados em ritmo recorde foram decisivos para evitar óbitos e hospitalizações e, enfim, controlar a pandemia — são 13,3 bilhões de doses aplicadas até agora. Entre o horror e a esperança, nossa geração não enfrentou nada igual.
Contudo, esse capítulo histórico ainda não recebeu um ponto-final. Nas vésperas do anúncio da OMS, cerca de 40 000 novos casos diários da doença eram computados mundo afora. O fim da “emergência de saúde pública de interesse internacional”, como prevê o regulamento estabelecido pela OMS desde 2005, não é sinônimo de epílogo da pandemia. O mecanismo prevê o compromisso dos países em combater patógenos com potencial de atravessar fronteiras. “A ideia de declarar a emergência é coordenar as ações imediatas antes que um evento fique maior e se torne uma pandemia”, explicou Maria Van Kerkhove, líder para Covid-19 da OMS. No caso do coronavírus, porém, não deu tempo.
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Por mais que o período crítico tenha passado, o vírus está entre nós e veio para ficar. Isso significa que cuidados que se tornaram básicos, como vacinação, testagem, higiene respiratória e uso de máscara em certas situações, devem continuar. Mas uma pergunta paira no ar: afinal, como terminam as pandemias? Não há, infelizmente, uma resposta clara. Hoje o próprio termo pandemia está sendo reavaliado.
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Em meio a indefinições, certezas felizmente existem. Uma delas é a relevância da manutenção da vacinação. Os estudos indicam que a efetividade dos imunizantes é significativa, só que a proteção cai coom o passar do tempo. Por isso, sim, novas doses virão. “Se definirmos a pandemia pela gravidade dos sintomas ou usarmos o critério do número de pessoas imunizadas, ela deve acabar em questão de anos”, diz Brandão, da USP. “Mas, se a retirada da situação de emergência for interpretada por governos e pessoas como sinal para parar com a vacinação, o diagnóstico e o tratamento, esse tempo será bem maior”.
Celebre-se o passo da semana passada, mas as descobertas e progressos diante da covid-19 não servem só para virarmos esta página. À frente do Instituto Todos pela Saúde, a médica Mariângela Simão, ex-diretora da OMS durante a pior fase da doença, avalia que a humanidade dispõe das ferramentas para não repetir erros numa próxima pandemia — que certamente virá. “Precisamos trabalhar mais com o conceito de saúde única, a interligação entre saúde animal, ambiental e humana”, diz. A humanidade sobreviveu, apesar do luto e da dor de quem perdeu familiares. Cabe tentar evitar que a história se repita.