Samuel Fernandes
A publicação de uma pesquisa sobre o uso de máscara para barrar infecções respiratórias, como no caso da covid-19, levantou dúvidas a respeito da eficácia dela. Para os autores da análise, não é possível concluir de forma plena que ela reduz a disseminação de vírus.
O ponto destoa de outras evidências que indicam a eficácia e a importância da utilização de máscara para barrar a transmissão do SARS-CoV-2. Além de criar uma barreira que evita a inalação de partículas potencialmente virais, ela faz com que alguém doente não propague o vírus.
A pesquisa que levantou a discussão foi publicada pela Cochrane Library, uma iniciativa que analisa evidências científicas para orientar a adoção de medidas de saúde pública.
O estudo foi publicado inicialmente em 2007 e passou a ser atualizado com o passar dos anos — essa é a quinta versão e pela primeira vez apresenta dados da covid-19.
A publicação é o que se chama de revisão sistemática. Esse tipo de metodologia se debruça sobre informações de pesquisas já publicadas, elencando o grau de confiança dessas evidências.
No caso das máscaras cirúrgicas, os pesquisadores exploraram 12 artigos. Em nove deles, feitos em diferentes contextos sociais e com mais de 270 mil pessoas, os autores não observaram uma vantagem significativa da peça para evitar infecções respiratórias semelhantes à covid, como gripe.
Para as do tipo N95, o número de pesquisas compiladas na revisão foram cinco. Além de não identificar um benefício claro do uso delas em comparação às cirúrgicas, a revisão apontou que as N95 não parecem exercer papel central contra doenças respiratórias: em três das pesquisas analisadas, com a soma total de 7.000 participantes, o item não apresentou vantagem para barrar as infecções.
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Esse fator é igualmente relatado por Erick Sousa, pesquisador do ITpS (Instituto Todos pela Saúde) e membro do Observatório Covid-19 BR. Ele explica que a revisão analisou ensaios clínicos randomizados. Nesses estudos, a intervenção que é investigada – um remédio, por exemplo – não deve sofrer variações entre os participantes para se chegar a um resultado exato. Ou seja, as pessoas que participam do ensaio precisam ter acesso semelhante e estarem expostas a circunstâncias próximas ao que o estudo investiga para que, no término, os efeitos da intervenção sejam confiáveis.
Mas utilizar essa mesma metodologia no caso das máscaras pode acarretar problemas. É difícil, por exemplo, padronizar o uso dos equipamentos entre todos os participantes. Os próprios autores da revisão exploraram esse aspecto ao registrarem que muitos participantes dos estudos não utilizavam a peça de proteção de forma similar.
Também é complexo uniformizar a exposição que essas pessoas teriam a partículas virais – algumas podem ter mais, enquanto outras, menos. "Ao escolher os indivíduos para fazer o estudo, eu não consigo garantir que a exposição da intervenção seja igual", afirma Sousa, que não participou da revisão.
Segundo ele, se os ensaios clínicos contassem com a melhor padronização de exposição a partículas respiratórias e também com a intervenção similar do uso de máscara, os resultados poderiam ser mais exatos.
A Folha tentou contato com os autores, mas eles não responderam.
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