Após a maior epidemia de arboviroses dos últimos anos, dengue e chikungunya continuam em período de baixa incidência e positividade. O momento é oportuno para a adoção de medidas preventivas para o próximo ciclo sazonal.
As análises são do Instituto Todos pela Saúde (ITpS) com mais de 750 mil exames diagnósticos realizados entre janeiro de 2022 e novembro de 2024 pelos laboratórios DB Molecular, Fleury, Hilab, HLAGyn, Hospital Israelita Albert Einstein, Sabin e Target.
Arbovírus são vírus transmitidos por insetos, principalmente mosquitos, e causam doenças como dengue, Zika, chikungunya e febre do Oropouche. O gráfico a seguir mostra a série histórica da positividade da dengue desde 2022, com dados de laboratórios parceiros.
Segundo esses dados, no último ciclo sazonal, o aumento da positividade para o vírus da dengue (DENV) iniciou-se em novembro/2023, na semana epidemiológica (SE) 44. A positividade subiu de forma contínua até seu pico, em maio/2024 (SE 20), quando atingiu 37%, e a partir de então seguiu em queda até o patamar de 1% da última semana.
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Naquele mesmo período, a positividade para o vírus Chikungunya (CHIKV) seguiu padrão semelhante. Aumentos na positividade, apesar de oscilantes, foram observados do fim de novembro/2023 (SE 47) até meados de junho/2024 (SE 25), quando houve o registro do maior percentual dos últimos dois anos (39%), segundo os dados disponíveis.
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A sazonalidade das arboviroses dengue e chikungunya segue um padrão guiado pelos períodos chuvosos e temperaturas elevadas: condições ideais para os mosquitos transmissores. Nesse contexto, análises de dados em tempo oportuno servem ao planejamento estratégico de vigilância e combate de doenças no âmbito de políticas públicas.
Este relatório apresenta resultados preliminares de um estudo de sorologia coordenado pela Dra. Ester Sabino, que contou com apoio do ITpS. Dados sorológicos possibilitam estimar quanto uma população está suscetível a adoecer, o que permite prever, de maneira aproximada, a dimensão de um futuro surto e viabilizar a alocação prévia de recursos em áreas mais vulneráveis.
As análises que apresentamos a seguir são provenientes de amostras coletadas de doadores de sangue em diferentes localidades brasileiras. As amostras foram selecionadas de acordo com a localização do doador, a fim de se obter representatividade geográfica, de acordo com cada município incluído no estudo.
As análises incluem amostras coletadas entre novembro/2023 e junho/2024, coincidindo com o início e o fim do último período sazonal de dengue e chikungunya, já citados na seção anterior. Participaram do estudo os hemocentros Hemoam (Manaus), Hemorio (Rio de Janeiro), Hemominas (Belo Horizonte), Fundação Pró-Sangue (São Paulo), Hemepar (Curitiba), Hemoce (Fortaleza) e Hemope (Recife).
Nas análises foram avaliadas a presença de anticorpos que as pessoas produzem em reação a infecções. O estudo investigou anticorpos do tipo IgG (Imunoglobulina G) para dengue e chikungunya, bem como anticorpos do tipo Imunoglobulina M (IgM) para dengue. Anticorpos IgG indicam exposições passadas aos vírus ao longo da vida. Já os do tipo IgM sugerem exposições recentes aos vírus (últimos seis meses, aproximadamente).
Os resultados a seguir, obtidos da investigação da frequência de anticorpos (soroprevalência) em doadores, apresentam o provável cenário de suscetibilidade das populações das cidades onde os hemocentros parceiros atuam.
As populações das cidades citadas no gráfico abaixo, como exceção das de São Paulo e Curitiba, parecem já ter sido expostas a pelo menos um dos quatro sorotipos de dengue (tipo 1, 2, 3 ou 4). O exame utilizado, no entanto, não permite identificar qual sorotipo de dengue causou a infecção revelada pelos anticorpos no sangue.
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Importante notar que na cidade de São Paulo a maior parte da população parece continuar suscetível a todos os sorotipos de dengue, mesmo depois da recente epidemia. Por isso, o município precisará investir na preparação e resposta a futuros surtos e epidemias da doença.
Diferentemente do vírus da dengue, a diversidade genética do vírus Chikungunya circulante não é dividida em sorotipos, mas há peculiaridades. Hoje, no mundo, circulam distintas linhagens de CHIKV, bastante regionalizadas.
A linhagem do vírus Chikungunya que circula no Brasil (SAL, South American Lineage) teve origem no continente afriacano (deriva da linhagem MAL, Middle African Lineage) e apresenta uma taxa de transmissão inferior à da linhagem asiática (AUL - Asian Urban Lineage), responsável por grandes epidemias na América Central a partir de 2013.
Como resultado, as epidemias de CHIKV no Brasil têm um comportamento distinto, caracterizado por surtos localizados e recorrentes em diferentes cidades, desde a introdução do vírus (derivado da linhagem ECSA) em 2014.
Com base nos dados de IgG para CHIKV, as taxas de soroprevalência em Recife e Fortaleza estão próximas de 40%. Esse fato sugere uma menor probabilidade de novas epidemias causadas pela linhagem ECSA naquelas cidades. A aparente proteção, no entanto, pode não se manter frente a outras linhagens de CHIKV ou a variantes mais transmissíveis.
As demais cidades analisadas parecem continuar vulneráveis a surtos. Em Belo Horizonte, em particular, a soroprevalência está em patamares baixos, mesmo com os aumentos significativos entre novembro/23 e junho/24. Isso sugere que o vírus Chikungunya está circulando e poderá causar surtos mais intensos nos próximos anos.
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Os dados apresentados neste relatório provêm majoritariamente de laboratórios da rede privada, com atuação principalmente nas Regiões Sudeste e Centro-Oeste. O gráfico abaixo apresenta o número de exames realizados nas diferentes regiões do país.
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Na última semana epidemiológica (SE 44), o maior número de testes realizados para a detecção de dengue nos laboratórios parceiros envolveu amostras da Região Sudeste, seguida das Regiões Sul e Centro-Oeste.
Em relação aos testes realizados para a detecção do vírus Chikungunya (SE44), novamente a Região Sudeste é a que apresenta o maior número de exames, seguida pelas Regiões Centro-Oeste e Nordeste.
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O ITpS continua expandindo o volume de resultados de exames para arbovírus para alcançar uma melhor distribuição geográfica dos dados. Os apresentados nestas análises são, em sua maioria, de diagnósticos para dengue, em especial exames de antígeno (NS1) e PCR.
Os dados abaixo, estratificados entre resultados positivos (vermelho) e negativos (azul) ao longo das semanas dos últimos 12 meses, mostram que a demanda por exames diminuiu acompanhando a queda do número de casos. Na última semana (SE44) houve a menor positividade para dengue (1%) desde do início da queda de casos (SE21).
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A incidência é amplamente reconhecida como um indicador crucial no monitoramento de surtos e epidemias. No caso das arboviroses, permite identificar tendências e variações sazonais, considerando toda a população local.
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A positividade, porcentagem de exames positivos entre todos os exames realizados num período, é outro indicador estratégico. Calculado com base em dados oportunos, esse indicador antecipa a detecção do início de surtos e contribui para a tomada de decisões.
Com base em dados dos laboratórios parceiros, importantes diferenças cronológicas dos surtos foram notadas entre os estados no ciclo sazonal passado. No Distrito Federal (DF), por exemplo, o aumento na positividade de exames ocorreu antecipadamente, ainda na SE44 de 2023 (29/10 a 4/11). Um novo ciclo sazonal deve se iniciar nos próximos meses. No momento, ainda não está claro se a mesma antecipação será observada.
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Até o momento, não há indícios de que o padrão antecipado se repetirá no DF e em GO. Na última semana epidemiológica analisada (SE44), por exemplo, no DF não houve registro de testes positivos para dengue e em GO parece não ter havido aumento de demanda por exames.
Nos estados de MG e SP, o aumento da positividade ocorreu de forma mais gradual no último ciclo sazonal, com início em novembro/23. Este ano, na SE44, MG não apresenta aumento de demanda por exames de dengue e SP apresenta positividade de apenas 1%. No entanto, o número de exames positivos nesses estados pode aumentar nas próximas semanas se o padrão epidemiológico for o mesmo do ano passado.
Na Região Sul, no último ciclo, o percentual de exames positivos começou a aumentar em SC em dezembro/23 e no PR entre janeiro e fevereiro/24. Atualmente, a positividade em SC e no RS é de 1% (SE44). Já no PR, a positividade vem aumentando desde outubro e já atingiu 7% (SE43).
Os dados dos estados do Norte e do Nordeste ainda são escassos, e seguimos em busca de parceiros nas regiões. Interessados em colaborar com esta iniciativa podem entrar em contato com o ITpS pelo email: comunicacao@itps.org.br.
Como mostrado acima, os surtos de dengue nas regiões e nos estados monitorados ocorreram em períodos distintos em 2023/2024. Atualmente, a maior parte dos estados monitorados apresentam baixa positividade. No entanto, o acompanhamento dessa métrica nas próximas semanas será crucial para compreender se neste ano haverá antecipação do crescimento de casos, como ocorreu no ciclo anterior.
Infecções pelo vírus da dengue e chikungunya afetam todas as faixas etárias, conforme mostram os gráficos abaixo, que apresentam a positividade e o total de exames positivos (antígeno e PCR) de 0 a mais de 80 anos.
Em relação à positividade de exames para dengue, o indicador alcançou os patamares mais baixos do ano nas últimas semanas, variando de 1,5% a 3,3%. Na última semana analisada, todas as faixas etárias tiveram positividade inferior a 3%.
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Quanto aos exames para o vírus Chikungunya, a maior positividade está na faixa etária 60-69 anos (26,7%), seguida pela 10-19 anos (20%). Nota-se ainda que, nas últimas semanas, a positividade para chikungunya está superior à para dengue.
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Entre os meses de maio a outubro, nossos parceiros detectaram laboratorialmente mais de 40.400 infecções pelo vírus da dengue (por PCR e antígeno). De junho até a última semana epidemiológica, fica evidente a redução dos casos em todas as faixas etárias.
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Entre os dados analisados também encontramos resultados de exames que detectam outros arbovírus em circulação, como os vírus da Chikungunya, Zika, febre do Oropouche, febre amarela e Mayaro. Abaixo estão os números de exames positivos (PCR, antígeno e IgM) para esses vírus, por faixa etária, ao longo dos últimos meses. De forma semelhante à dengue, nota-se claramente uma queda contínua dos casos.
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A dengue e a chikungunya são doenças vetoriais transmitidas por mosquitos das espécies Aedes aegypti e Aedes albopictus. Neste momento, apesar de haver vacina, a quantidade disponível no Brasil é bastante reduzida e a principal forma de controle ainda é o combate ao vetor.
É preciso eliminar os criadouros, removendo recipientes que acumulam água. Fique atento dentro e fora da sua casa, verifique locais que podem ser foco dos mosquitos e, se necessário, comunique a vigilância da sua cidade sobre terrenos baldios que podem conter criadouros.
Quando disponível, é crucial que pessoas elegíveis se vacinem contra a dengue conforme orientações do Ministério da Saúde. A vacinação e o controle vetorial são fundamentais para prevenir e proteger sua saúde.
Na linha da prevenção, o Ministério da Saúde lançou recentemente o Guia de Ação para Redução da Dengue e outras Arboviroses, plano elaborado para o enfrentamento do período sazonal de 2024/2025, com o objetivo de combater a dengue e outras arboviroses no Brasil.
O documento destaca a parceria estabelecida entre o Ministério da Saúde e o ITpS para aprimorar as capacidades de detecção e resposta às arboviroses e outras doenças. O Instituto agradece a menção e segue à disposição como colaborador estratégico nas atividades de monitoramento e para o fortalecimento da vigilância epidemiológica no Brasil.
Neste relatório foram apresentados resultados preliminares de soroprevalência, produzidos pelo grupo de pesquisa da dra. Ester Sabino (FMUSP), com dados dos seguintes hemocentros: Hemoam (Manaus), Hemorio (Rio de Janeiro), Hemominas (Belo Horizonte), Fundação Pró-Sangue (São Paulo), Hemepar (Curitiba), Hemoce (Fortaleza) e Hemope (Recife). O ITpS agradece aos hemocentros a colaboração.
O ITpS também agradece os laboratórios parceiros DB Molecular, Fleury, Hospital Israelita Albert Einstein, Hilab, HLAGyn, Target e Sabin, que gentilmente fornecem, semanalmente, dados de diagnóstico para melhor compreensão do cenário epidemiológico da dengue, chikungunya e outras arboviroses.