Um projeto desenvolvido pela Divisão de Vigilância de Zoonoses (DVZ) da Prefeitura de São Paulo em parceria com o Instituto Todos pela Saúde (ITpS) se propõe a identificar vírus causadores de doenças em morcegos, com o uso da análise metagenômica, e mapear os que têm potencial de infectar humanos. O objetivo é colaborar com a vigilância das zoonoses urbanas e, assim, ajudar na prevenção de surtos, epidemias e pandemias.
Os morcegos foram escolhidos pela possibilidade de vírus presentes neles saltarem para outras espécies de animais e até para os seres humanos devido ao contato próximo. Esse salto de morcego para humanos é a hipótese científica mais aceita para o surgimento do vírus SARS-CoV-2, que causou a pandemia de covid-19.
“A saúde animal é muito negligenciada e pouco se sabe sobre os vírus que estão em circulação. Queremos saber quais são esses vírus e qual é o potencial deles infectarem humanos”, afirma o virologista Anderson Fernandes de Brito, do ITpS. O Instituto busca uma abordagem de Uma Só Saúde, que considera os componentes humano, animal e ambiental.
Para implementar o projeto, a DVZ aproveitou morcegos que recebem de forma rotineira para testagem de raiva. Por mês, chegam à Divisão cerca de 200 animais oriundos de vários municípios do estado, em sua ampla maioria mortos. São animais que foram capturados pela população ao entrarem nas casas ou encontrados caídos, entre outras situações.
Os morcegos que participaram do estudo foram escolhidos entre os 2.422 recebidos pelo Laboratório de Diagnóstico de Zoonoses e Doenças Transmitidas por Vetores (LabZoo/DVZ/Covisa), no período de outubro de 2023 a fevereiro de 2024 (clique aqui para mais informações). Para selecionar quais seriam testados para além da raiva, foram utilizados alguns critérios, como a priorização de animais com histórico de captura em situações atípicas, aqueles coletados em diferentes localidades, de forma a garantir ampla distribuição geográfica, e aqueles de espécies menos estudadas.
Um total de 602 morcegos foram avaliados e 312 (13%), submetidos à coleta de amostras do intestino e do pulmão. Desses, 150 foram selecionados para a metagenômica viral (sequenciamento genético amplo e inespecífico) e taxonomia molecular, usando uma metodologia desenvolvida pelo Instituto de Medicina Tropical específica para vírus. Os morcegos testados saíram dos municípios de Barueri, Campinas, Carapicuíba, Francisco Morato, Ipiguá, Itu, Jacareí, Jundiaí, Osasco, Piracicaba, São José do Rio Preto, São José dos Campos, São Paulo e Sorocaba.
Para descobrir quais microrganismos estavam presentes ali, as amostras das vísceras foram submetidas a um processo bioquímico para extração do RNA, o material genético dos vírus. Em seguida, foi feito o sequenciamento genético para identificar sua composição. Então, com a ajuda de ferramentas de bioinformática, esses trechos estão sendo analisados e comparados a outras sequências já descritas e publicadas em bancos de dados do Brasil e do mundo. Assim, será possível saber se elas equivalem a outros vírus já encontrados. Os achados também foram relacionados à identificação taxonômica dos morcegos.
“Um dos problemas é que ainda há poucas sequências publicadas para podermos fazer a comparação”, diz bióloga Juliana Amorim Conselheiro, do Laboratório de Diagnóstico de Zoonoses e Doenças Transmitidas por Vetores da Divisão de Vigilância de Zoonoses da Prefeitura de São Paulo. “Então talvez precisemos dar um passo atrás e produzir novas sequências.”
As amostras analisadas serão armazenadas em biorrepositórios da DVZ ou de parceiros apoiados pelo ITpS e ficarão disponíveis para estudos. Os pesquisadores também pretendem disponibilizar esses dados para amplo acesso e estimular a implementação de estratégias de prevenção a possíveis zoonoses emergentes junto aos órgãos de vigilância do Estado de São Paulo.
O projeto também possibilitou o treinamento em metagenômica da equipe da DVZ, que agora está preparada para aplicar a técnica não apenas em amostras de morcegos, mas de qualquer uma de interesse. Um outro resultado foi o desenvolvimento de teste para identificar os vírus mais observados nesses animais.