A positividade de testes para dengue atingiu o patamar mais elevado dos últimos dois anos.
As análises são do Instituto Todos pela Saúde (ITpS) com dados de cerca de 500 mil exames diagnósticos feitos entre maio de 2022 e maio de 2024 pelos laboratórios Fleury, Hilab, HLAGyn, Hospital Israelita Albert Einstein e Sabin.
Acima, temos as positividades calculadas com dados do setor privado de 2022 a 2024. Como vimos no relatório 1, os atuais surtos de dengue tiveram início em nov/23. Após queda da positividade em fev/24, novo aumento foi observado entre a Semana Epidemiológica 08 (SE08) e a SE19, chegando a 34,5%. É o maior percentual já registrado em nossos dados.
A detecção do vírus da dengue em exames diagnósticos depende do período de coleta da amostra. O guia Dengue: Diagnóstico e Manejo Clínico, do Ministério da Saúde, recomenda que as amostras sejam coletadas até o 5º dia após início de sintomas (ápice da infecção) para testes RT-PCR antígeno (NS1) ou isolamento viral.
Testes em períodos tardios falham na detecção do vírus, logo, um teste negativo não atesta, necessariamente, a ausência de infecção recente (i.e pode gerar resultado falso negativo). A partir do 6º, como sugerido no guia acima, a opção são testes sorológicos.
Considerando essas nuances do diagnóstico, o número oficial de infecções por dengue vírus, tanto no setor público quanto privado, é certamente inferior ao existente. Mesmo com baixo número de testes e subnotificações, o alto número de infecções é notório.
Os dados apresentados neste relatório provêm majoritariamente de laboratórios da rede privada, com atuação principalmente nas regiões Centro-Oeste e Sudeste do país (gráfico abaixo).
Com a recente inclusão do Fleury como laboratório parceiro, passamos a ter acesso a um volume maior de resultados de exames para arbovírus dos últimos anos, melhorando a representatividade geográfica dos dados. Os dados que apresentamos nestas análises são, em sua maioria, de diagnósticos para dengue, em especial testes de antígeno (NS1) e PCR.
Os dados acima, estratificados entre resultados positivos (vermelho) e negativos (azul) ao longo das semanas dos últimos 12 meses, mostram que a demanda por testes se mantém alta desde o fim de fev/24.
A alta procura por testes é reflexo direto do aumento do número de pessoas com sintomas de dengue. Isso fica evidente quando observamos altas expressivas da positividade, que chegou a 34,6% na última Semana Epidemiológica analisada (SE19, última barra do gráfico).
A positividade tem se mostrado um indicador estratégico, pois é capaz de indicar o início do surto antes mesmo de aumentos claros no número de exames positivos. Usando essa métrica é possível observar que alguns surtos começaram na virada de outubro para novembro/23.
Com base em dados do setor privado, importantes diferenças cronológicas dos surtos são notadas nos estados. No Distrito Federal (DF), por exemplo, o aumento na positividade de testes foi percebida na SE44 de 2023 (de 29/10 a 4/11/2023).
No DF, a positividade passou de 7,8% no início de nov/2023 para 47,8% na primeira semana de 2024, o que levou à decretação de situação de emergência. Na sequência, a positividade caiu ao longo de janeiro e fevereiro, subiu até 31,7% em março, e hoje está em 21% (SE19).
Os dados de positividade de Goiás refletem um padrão similar ao DF: um forte aumento ao longo de dezembro/janeiro, com expressiva queda, seguida por oscilações em março e abril. Em GO, a positividade está atualmente em patamar elevado (38%).
Nos estados de Minas Gerais e São Paulo, a subida da positividade ocorreu de forma mais gradual, com início em nov/23. Desde então, o percentual vem crescendo, com pequenas oscilações. Na SE19, MG e SP apresentaram altas positividades: 30% e 38%, respectivamente.
Na região Sul, os dados indicam aumento no percentual de casos positivos desde fevereiro deste ano. Na SE19, a positividade no Rio Grande do Sul e no Paraná era de 29% e 41%, respectivamente. Os dados dos estados do Norte e do Nordeste ainda são escassos, e seguimos em busca de parceiros nas regiões.
Como mostrado acima, o agravamento dos surtos de dengue nos estados e regiões monitorados tem ocorrido em períodos distintos. Em algumas localidades, observamos agora forte aumento nos testes positivos, enquanto em outras temos queda ou estabilidade.
Outra forma de visualizar os dados é com o uso de mapas. Abaixo, vemos de forma cumulativa que os testes positivos para dengue têm sido cada vez mais reportados em estados e municípios desde o fim de out/23, quando a positividade começou a aumentar.
Como já citado, nossos dados ainda não são geograficamente representativos. Trabalhamos para agregar novos parceiros e, assim, capturar melhor o cenário de todo o país. Avançamos nesse sentido com a inclusão de novos dados do laboratório Fleury.
Ainda com as limitações de dados das regiões Norte e Nordeste, a análise espacial acima evidencia como o vírus da dengue tem avançado, gerando infecções por todo o país, em ritmos distintos.
Infecções pelo vírus da dengue afetam todas as faixas etárias. Abaixo temos gráficos que apresentam resultados de testes positivos (antígeno e PCR) por faixas etárias de 0 a mais de 80 anos.
Em relação à positividade de testes, vemos abaixo que esse indicador se elevou a patamares superiores a 30% especialmente nas faixas etárias acima de 10 anos. Já em crianças de 0 a 9 anos, a positividade tem variado de 5 a ~25%.
Nesta visualização, percebemos também os dois momentos de aumento da positividade: o primeiro iniciado em nov/2023, com ápice em janeiro, e o segundo com início em fevereiro, e ainda em curso.
Desde o início do surto no fim do ano passado, até o início de maio, seguimos registrando um número crescente de casos mês após mês. Nesse período, nossos parceiros já detectaram laboratorialmente mais de 68.000 infecções por vírus da dengue (por PCR e antígeno).
Como qualquer vírus em circulação, o vírus da dengue também sofre mutações à medida que infecta seus hospedeiros. Variantes do vírus da dengue surgem e algumas delas podem ter propriedades diferenciadas, ou seja, ser mais transmissíveis, mais evasivas a vacinas, etc.
Nesse contexto, dados de sequenciamento genético do vírus fornecem informações importantes para a preparação, vigilância e resposta às emergências em saúde causadas por este e por outros arbovírus.
Para um bom uso dos dados produzidos pela vigilância genômica viral, um sistema universal de nomenclatura de linhagens virais é essencial para a melhor comunicação e compreensão dos resultados de sequenciamento gerados no país e no mundo.
Com esse objetivo, no dia 17/5, um grupo de pesquisadores internacionais, incluindo brasileiros, lançou um sistema de nomenclatura de linhagens do vírus da dengue. Tal sistema é descrito neste manuscrito (em fase de revisão) e neste website.
A concepção desse sistema tem apoio de pesquisadores que atuam no ITpS, como o virologista Anderson Brito e o biólogo Gabriel Wallau (pesquisador vinculado à Fiocruz de Pernambuco). O sistema proposto será fundamental para o aprimoramento da vigilância do vírus.
O sistema ‘dengue-lineages’ usa códigos alfanuméricos para nomear as variantes. Esse padrão neutro de nomenclatura é essencial, pois evita estigmas trazidos por nomes inadequados que informalmente são dados a variantes (“variante centauro”, “variante indiana”, etc).
Para nomear as variantes, informações sobre sorotipo, genótipo, linhagem e sub-linhagem viral são utilizadas. Por exemplo, segundo dados abertos a que tivemos acesso, os vírus da linhagem 1V_E (sorotipo DENV-1, genótipo cinco, linhagem E) foram os mais comuns entre 2022 e 2023 no Brasil.
As informações acima derivam de análises do ITpS, com base em dados disponíveis no GenBank/NCBI, e outros gerados pelos laboratórios parceiros dos pesquisadores Maurício Nogueira (FAMERP), Fernando Spilki (FEEVALE) e Renato Santana (UFMG).
Em 2022 e 2023, houve predominância dos vírus da linhagem 1V_E. No entanto, as linhagens A, D e F do genótipo cinco de DENV-1 também foram detectadas. Linhagens do DENV-2 foram identificadas, em especial a linhagem F do genótipo dois. Análises filogenéticas desses dados também foram realizadas e estão disponíveis nos links: DENV-1 e DENV-2.
Com base em dados de sequenciamento que tivemos acesso, a linhagem 3III_B foi a única do sorotipo 3 (DENV-3) detectada no Brasil nos últimos dois anos. A linhagem C, do mesmo genótipo, já circulou no país em anos anteriores, mas não foi observada nessa amostragem.
Com relação ao DENV-4, as linhagens 4I_A e 4II_B já foram identificadas no Brasil, mas nos dois anos passados nenhum registro dessas variantes do sorotipo 4 foi reportada nos dados genômicos de acesso aberto.
Aumentar o conhecimento da diversidade genética do vírus da dengue que circula no Brasil é essencial. Informações genômicas são cada vez mais relevantes para preparar nosso país para enfrentar novas epidemias de dengue, em especial no contexto atual do uso pioneiro da vacina contra a doença.
Também temos observado aumento no número de exames positivos para chikungunya (PCR e IgM) ao longo dos últimos meses. Abaixo, vemos, de forma cumulativa, como as infecções por CHIKV vêm se disseminando em municípios e estados desde out/23.
Entre os dados que analisamos também encontramos resultados de testes que detectam outros arbovírus em circulação, como Zika, Chikungunya e Oropouche. Abaixo temos o número de testes positivos (PCR, antígeno e IgM) para esses vírus, por faixa etária, ao longo dos últimos meses.
Esta análise de dados em tempo oportuno apresenta indicadores para a dengue que têm superado os números reportados em 2022 e 2023. Seguiremos emitindo este relatório regularmente, acompanhando os surtos de arbovírus ao longo dos próximos meses e fornecendo dados atualizados que possam ajudar na resposta às doenças.
Dado o baixo número de diagnósticos, este relatório apresenta dados que não representam todas as unidades federativas de forma homogênea e não tem ajuste populacional.
A dengue e a chikungunya são doenças vetoriais transmitidas por mosquitos das espécies Aedes aegypti e Aedes albopictus. Neste momento, apesar do recente lançamento da campanha de vacinação contra a dengue, a principal forma de controle ainda é o combate ao vetor.
Precisamos eliminar os criadouros, removendo recipientes que acumulam água.
Fique atento dentro e fora da sua casa, verifique locais que podem ser foco desses mosquitos e, se necessário, comunique a vigilância da sua cidade sobre terrenos baldios que podem conter criadouros.
Em caso de sintomas como febre, dor de cabeça, dor no corpo e/ou manchas na pele, busque prontamente um serviço de saúde. Fique atento a sinais de alerta da forma grave da dengue, como: dor abdominal intensa, vômitos persistentes e sangramento de mucosa. Nesse caso, busque imediatamente um serviço de saúde.
Quando disponível, é crucial que pessoas elegíveis se vacinem contra a dengue conforme orientações do Ministério da Saúde. A vacinação e o controle vetorial são fundamentais para prevenir e proteger sua saúde.
O ITpS agradece aos laboratórios parceiros, Fleury, Hospital Israelita Albert Einstein, Hilab, HLAGyn e Sabin, que gentilmente fornecem dados de diagnóstico para compreender o cenário epidemiológico da dengue, chikungunya e outras arboviroses.